
O livro é narrado por
três ângulos; O diário de Alessandro; O livro que Alessandro escreve em tempo
real quando estão todos no porão; E a reunião das mães das vítimas, mediada por
uma delegada, Diana.
O ritmo do livro é
intenso. Mesmo narrado em linhas de tempo
diversas, para onde quer que olhemos há algo importante acontecendo. E a
malandragem de Raphael em encerrar um capítulo com ganchos, narrar o capítulo
seguinte num outro ponto da história e também terminar esse capítulo com um
gancho chega a ser agoniante.
Não posso deixar de
destacar as cenas sangrentas. Aquele porão, onde o grupo de jovens se reúne para
cometer suicídio coletivo, é um verdadeiro circo de horrores. É preciso ter estômago
para encarar algumas páginas. Um espetáculo grotesco, com tanto ódio,
ressentimento e derramamento de sangue que um dos pontos mais contundentes que
é uma cena de necrofilia, soa apenas como mais um mero ato dessa mórbida
tragédia.
Outro ponto de
destaque é a relação entre os dois protagonistas, Alessandro e Zak, amigos de infância
que nutriam entre si um grande afeto, mas também uma afinidade sombria e uma
intimidade que os isolava do resto do mundo. O tema de amigos inseparáveis que acabam se
envolvendo em alguma atividade criminosa já se tornou um clichê, porém esse
elemento foi muito bem trabalhado por Raphael. Os personagens e sua relação
foram abordados de uma forma tão visceral que até parece haver algo de
autobiográfico ali. Não a transcrição de um fato real, mas um devaneio de escritor
tomando como base acontecimentos de sua vida pessoal. Afinal, é assim que
surgiram grandes livros não é? Da capacidade de brincarmos com a realidade.
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A autoanálise que Teo
faz é bastante curiosa. Ele sabe de suas deficiências emotivas e éticas, aceita
essa realidade, como não poderia deixar de ser, mas sabe que é necessário fingir
para o mundo e o faz sem esforço. Até que tudo em sua vida vazia muda ao
conhecer Clarice num churrasco.
Os truques que ele utiliza
para se aproximar dela o transformam numa figura patética, mas não tiram o lado
singelo da situação. Quem nunca fez loucuras por uma paixão? E aí está um
equívoco da análise que Teo faz sobre si próprio e que talvez tenha sido um
equívoco do autor (talvez tenha sido proposital, não posso afirmar): Teo não é
um psicopata, já que ele nutre um sentimento por Clarice. Psicopatas não tem
empatia, portanto não poderiam se apaixonar.
Mas, de qualquer modo,
Teo não é uma pessoa considerada normal e mesmo sabendo disso se permite o
direito de viver um amor. Ou melhor, o exige. As trapalhadas dele tentando se
aproximar de Clarice dão lugar a trapalhadas bem mais sérias quando ele perde o
controle da situação e vai cometendo um crime atrás do outro para cobrir sua
sujeira. Raphael nos deixa divididos entre torcer para que Clarice escape ou para
que Teo se safe das enrascadas em que se mete. Dá muita curiosidade em saber
como ele vai sair de cada situação e estas saídas não nos decepcionam. O garoto
é engenhoso, tem sangue frio e é tão dissimulado quanto um ator.
No início o livro
cativa pelo lado romântico de um “psicopata”, faz o coração saltar pela boca
nas cenas de suspense, provoca nossa curiosidade até boa parte da narrativa,
mas quando chegamos à Ilha Bela, a terceira locação da história, a trama perde
a liga e começa a cansar. Chegar até a fase final para mim foi uma obrigação e
não um prazer. E alguns acontecimentos finais, principalmente aquele ligados a
um acidente que dá a virada definitiva
no livro, são forçados demais.
Nunca avalio um livro
pelo final, acho que uma conclusão insatisfatória não desmerece a obra, mas
além do final ser de um humor negro ousado demais, a história desandou após
dois terços da narrativa.
Porém acredito que
minhas impressões teriam sido melhores se tivesse iniciado a leitura em outro
momento. O fato de ter lido Suicidas dias antes fez com que eu fosse com muita
sede ao pote. Talvez numa releitura,
daqui a alguns anos, minha opinião mude.
E aguardarei o novo
lançamento de Raphael para que eu possa desempatar com esse autor. Tenho tudo
pra acreditar que no próximo volume eu, ele e nós saiamos ganhando nesse
desempate.